Para Malcolm Gladwell, o ponto da virada é o momento em que uma tendência chega a um alto patamar e se espalha de forma viral, em uma velocidade assustadora.
Olhando o cenário de tecnologia e marketing dos últimos 5 anos, o escândalo do Cambridge Analytica foi esse momento descrito no livro do Malcolm, que gerou uma grande reação em cadeia na discussão sobre privacidade dos dados, mas principalmente na quantidade de informações que são coletadas sobre nós e o que as empresas são capazes de fazer com eles.
A informação é literalmente o grande poder da nossa geração.
Na versão do iOS 14 lançado em abril de 2021, a Apple começou a aplicar uma política chamada App Tracking Transparency. Os aplicativos para iPhone, iPad e Apple TV agora precisam solicitar permissão dos usuários para usar técnicas como IDFA (ID para anunciantes) para rastrear a atividade desses usuários em vários aplicativos para fins de coleta de dados e segmentação de anúncios. Isso dá a cada um de seus usuários o poder de decidir se querem ou não autorizar o compartilhamento de dados entre aplicativos.
E na prática, uma das empresas mais afetadas é o Facebook que usa essas informações de interesses e comportamentos para segmentar anúncios.
O Facebook foi a público reclamar da postura, alegando que a mudança não só prejudicaria o Facebook, mas destruiria pequenas empresas em todo o mundo. Pouco depois, o CEO da Apple, Tim Cook, participou de uma conferência sobre privacidade de dados e fez um discurso que criticou duramente o modelo de negócios do Facebook.
Em 2018, quando interrogado pelo congresso americano, Mark Zuckerberg confirmou que a empresa coleta informações até de quem não tem um perfil no Facebook. Disse: “Em geral, coletamos dados de pessoas que não se inscreveram no Facebook por motivos de segurança”.
Neste sentido, é fácil entender o incômodo das pessoas com essas grandes corporações. Os dados preliminares sobre o novo iOS mostram que o opt-in (ação que autoriza a coleta) está baixíssimo e a maioria, 96% dos usuários, optou por não autorizar a coleta entre aplicativos. Muito acima de qualquer expectativa até então.
Na minha bolha eu vejo duas posturas quando falo sobre esse assunto, medo ou indiferença.
Aqueles que entendem o que está acontecendo, estão preocupados. Os demais, agem como se estivéssemos exagerando. Já escutei “mas meus dados não valem muito, vão saber que eu gosto de pagode e tomo minha cerveja no final de semana, e daí?”
O que muitas pessoas não sabem é que um dado de uma única pessoa por si só, pode até não ser assim tão valioso. Mas, quando se coleta dados de 50 milhões de americanos e entende-se quais são suas crenças, suas religiões, suas redes de conexões e principalmente seus medos, pode-se fazer uma comunicação direcionada para cada um deles inventando mentiras, usando os gatilhos que ativam esse medo para manipular e direcionar as intenções de votos. E não é exagero dizer que o caso da Cambridge Analytica mudou a história do mundo.
Recomendo assistir Privacidade Hackeada, na Netflix.
No Brasil, o Android ainda é o maior. Dados do StatCounter de abril de 2021 mostram que o Android tem um share de mercado de 86,5%, enquanto o iOS tem 13,2%. Porém, sabe-se que o poder de compra desses 13% é muito alto e isso deverá gerar um impacto nos resultados gerados a partir desses anúncios do Facebook.
E ainda temos no horizonte um novo ponto de virada com o Google retirando os cookies do seu navegador Google Chrome, que é o maior no Brasil hoje, com 80,46% de share de mercado. E a iniciativa Cookieless caminha na mesma direção de travar o compartilhamento de informações entre sites.
Em termos práticos e a curto prazo, as estimativas do Bank of America preveem uma redução de 3% na receita do Facebook, que no último ano foi de U$ 85,9 bilhões. Sem dar números, a própria empresa avisou aos stakeholders, nos resultados anuais de 2020, de uma possível queda nesse sentido.
E começamos uma nova era dos anúncios, aquela em que os donos dos dados vão ter que aprender a fazer o trabalho que talvez nunca tenham feito em profundidade, que é o de conhecer sua própria base, qualificar a partir da experiência própria e trabalhar em parceria com o anunciante e não atuar de forma passiva no processo.
Uma vez que será necessário consentimento claro dos usuários sobre a utilização dos seus dados, aquela propaganda do início da internet, invasiva, perde cada vez mais espaço.
Vejo espaço para influenciadores, para os produtores de conteúdo de qualidade, para os poadcasts… ainda mais para os grandes portais de notícia, que são donos de uma enorme quantidade de dados muito ricos para qualificação da audiência própria. Além, claro, do próprio Google, que fica ainda mais forte nessa equação com sua enorme rede de produtos com uma gigantesca base de usuários.
A briga pela atenção deixou de ser um pop-up irritante e sem credibilidade e passará a ser cada vez mais, uma conversa. Os veículos vão ter que conversar com suas audiências para tentar reconquisar a confiança perdida.
E quer saber? Estou animada para ver o caminho que vamos tomar. Para quem gosta de análise de dados e comunicação, eu enxergo esse novo ponto de virada para nosso mercado e aqueles que conseguirem perceber esse caminho e trabalhar com os dados que possuem, são aqueles que irão prosperar mais rápido.